Fonte das Nanás, escultura de Niki de Saint Phaille. Acervo Permanente da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Fotografia de Cecilia Santos, arquivo pessoal |
Então, mais do que improvisar adaptações, nós precisamos mesmo é empreender uma profunda mudança de hábito. Que fique claro: apesar das campanhas do governo e da Sabesp focarem nos consumidores domésticos, a gente sabe que os maiores consumidores da água são a indústria e o agronegócio. Semana passada o jornal El País divulgou uma matéria impressionante (aqui) sobre os escandalosos contratos de firme demanda entre a Sabesp e grandes clientes, como clubes, shopping centers e condomínios, que premiam com descontos progressivos o consumo da água.
E as más decisões administrativas não foram tomadas apenas nos governos recentes, não. No início do século XX, com a expansão da metrópole, grandes obras foram feitas e muitas delas simplesmente enterraram rios e riachos! Alguém mais se choca ao descobrir que embaixo das Avenidas 23 de Maio, Pacaembu, dos Bandeirantes e Nove de Julho correm rios? E por que a cidade não cresceu às margens desses rios, preservando a água e as paisagens, não é? Quantas decisões estúpidas em nome do progresso!
Centro de São Paulo visto do alto do Edifício Martinelli. Fotografia de Cecilia Santos, arquivo pessoal |
Desde 2013 mais ou menos eu comecei a repensar a questão da limpeza e do trabalho doméstico, especialmente quando foi promulgada a PEC das Domésticas (que lamentavelmente até hoje não foi regulamentada), que eu debati bastante e sobre o qual escrevi (aqui). Ao mesmo tempo, começamos uma mudança bem razoável nos hábitos e na rotina aqui de casa, que foi positiva e trouxe vários ganhos.
Há alguns anos nós contamos com uma diarista, a Josirene, que é uma excelente profissional e também uma pessoa com quem tenho altos papos. Surpreendentemente, apesar do meu envolvimento com o aspecto político do trabalho doméstico, confesso que eu não tinha antes considerado a questão da segurança e saúde ocupacionais da trabalhadora doméstica na minha própria residência, até que a Josi acabou trazendo essa questão.
A partir de então, a gente começou um processo de repensar tudo o que envolve a rotina de limpeza da casa. Tivemos até uma reunião formal, eu, ela e o Lucas (que compareceu com ar blasé de adolescente criado a leite com pera que acha que não tem nada a ver com o rolê - e tem, sim, porque a manutenção da casa diz respeito a todo mundo que vive nela).
Ao longo de uns 2 anos, fizemos as seguintes mudanças aqui:
- Agora metade da roupa lavada não é mais passada a ferro. Secamos camisetas, vestidos e blusas em cabides, e muitos deles vão dali direto pro armário. Também não se passa mais lençóis (tem um vídeo aqui que ensina a dobrar lençol de elástico) e toalhas de banho. Lembrando que uma dica para economizar energia é juntar toda a roupa da semana em vez de ligar o ferro constantemente.
Vamos ter em mente que a composição dos tecidos e a eficiência dos eletrodomésticos evoluíram, justamente para poupar trabalho e energia (e a gente tem que evoluir junto, certo?). Já estão se popularizando os vaporizadores de roupa, inclusive uns portáteis (mas eu nunca usei). Uma dica: num aperto ou numa viagem, se você pendurar uma roupa amassada num cabide e colocar no banheiro enquanto toma banho, o vapor do banho vai dar uma desamassada básica na peça. (Só não vale demorar demais no banho, lógico.)
- Eliminamos metade dos produtos de limpeza. Aqui em casa não entram mais lustra-móveis, removedor, cera e removedor de limo. Até tentamos usar o combo caseiro de bicarbonato de sódio e vinagre, mas pra gente não funcionou. Durante alguns meses, comprei uma linha de produtos sem fosfato e sem matérias primas à base de petróleo, que são bons mas meio caros e difíceis de achar. Ultimamente tenho comprado o multiuso e o desinfetante que tiverem o perfume mais suave possível.
Combinamos que água sanitária só será usada a cada 2 ou 3 semanas, só no borrifador, com luva e mantendo a circulação de ar. Também eliminamos o uso do sabão de lavar roupa e detergente na limpeza da casa. No piso de madeira, só pano úmido.
Menos produtos, usados em quantidades menores, produzem menos espuma, acumulam-se menos nas superfícies e consequentemente consomem menos água. Além da economia na conta do supermercado.
O resultado? A tosse seca que eu tinha e que ficava ainda mais assanhada no dia da faxina simplesmente desapareceu. A Agência de Proteção Ambiental dos EUA informa que alguns produtos de limpeza são tóxicos e responsáveis por altos índices de contaminação e alergias no ambiente doméstico. Muitas vezes as pessoas têm rinite e outras alergias e nem imaginam que a fonte pode ser a própria forma de limpar a casa, com produtos poluidores. A gente também precisa tomar cuidado com produtos de limpeza fabricados em fundo de quintal, sem controle, que podem até ser mais baratos, mas também extremamente nocivos.
- Ainda se discute muito pouco a segurança e a saúde ocupacionais da trabalhadora doméstica. Qual é o efeito da exposição diária a produtos tóxicos, 5 vezes por semana, durante 30 anos de trabalho? A trabalhadora doméstica tem que zelar pela sua saúde, e quem contrata esse tipo de trabalho tem a obrigação de ajudar na conscientização. Além de reduzir a exposição a certos produtos, passamos a usar luvas descartáveis na limpeza e até na hora de fazer alguma pintura ou jardinagem. Aqui nós preferimos as luvas de vinil - uma caixa com 100 unidades custa uns R$15,00 em qualquer casa de cosméticos.
Há uns dias a Josi comentou que ela também já sente os efeitos positivos dessas mudanças. A rigor, ainda há muito mais a fazer. Mas aqui a gente segue discutindo.
- Como divisão do trabalho doméstico é um tema que eu levo muito a sério, há algum tempo eu comprei um aspirador vertical do tipo deste (mas o meu é de uma geração anterior). Fora o dia da faxina, mantemos a casa com tranquilidade umas duas vezes na semana. Lucas passa aspirador e eu passo pano úmido no chão. O robô aspirador está começando a chegar ao Brasil. Ainda é caro e quebra fácil, mas eu acho que não demora a chegar o dia em que nossas casas serão como a dos Jetsons!
Poucos produtos de limpeza, em borrifadores, e luvas descartáveis (Fotografia de Cecilia Santos, arquivo pessoal) |
Na cozinha
- Todo mundo sabe lavar louça, obviamente. Mas quando vi este vídeo, disse: "como é que eu não pensei nisso antes?" O negócio funciona assim: (1) remova todos os resíduos da louça; (2) ensaboe todas as peças; (3) esvazie a cuba e lave-a; (4) coloque todas as peças ensaboadas dentro da cuba, organizadas das maiores para as menores; (5) a água usada para enxaguar as primeiras peças já vai enxaguando as de baixo. Menos água, e surpresa, eu agora levo menos tempo pra lavar a louça.
- O ideal é lavar a louça uma vez por dia. Nada de passar uma aguinha em cada copo que usar.
- Aliás, um hábito saudável é ter copos ou garrafinhas individuais, personalizados, que a gente usa um dia inteiro para beber água sem acumular copos na pia.
- É mais fácil deixar a louça de molho, empilhada de forma organizada na pia, separando a louça mais engordurada.
- Água quente ou vinagre são ótimos para uma pré-lavagem para eliminar a gordura.
- Para sujar menos panelas, dá pra usar o acessório de cozimento a vapor e cozinhar, por exemplo, o arroz e os legumes ao mesmo tempo.
- Também é muito útil, não só para economizar louça suja, cozinhar porções maiores e congelar. Eu fico tão feliz quando tenho um prato prontinho no freezer num dia de muita correria!
- Pia entupida: despeje no ralo 2 colheres de bicarbonato de sódio e por cima, 1 copo de vinagre; deixe agir por 10 minutos e despeje água fervente. Nunca mais compre o capeta verde, aquilo é puro veneno!
- Mantenha uma tigela na pia só para acumular água da lavagem de frutas e verduras, por exemplo. Quando comecei a fazer isso, descobri que a gente 'desperdiça' - mas não precisa - um balde de água para lavar um mísero pé de alface.
- Para desinfetar a esponja e o paninho de pia, coloque-os no microondas e ligue por 1 minuto (só não pode ter nenhum elemento de metal!)
No banheiro
- O ideal é colocar os produtos em borrifadores - até espalha melhor o desinfetante no vaso sanitário. Pouco produto, pouca espuma, pouca água. Lembre-se que espuma e perfume não são necessariamente sinônimos de limpeza.
- No box, dá para borrifar o multiuso (ou, se quiser tentar, vinagre), esfregar com uma esponja, retirar o excesso com um rodinho de pia e enxaguar com um pano molhado. Também não adianta deixar resíduos porque eles vão se acumulando. O segredo é mesmo usar pouco produto de limpeza.
- Vamos combinar: não faz o menor sentido lavar os azulejos do banheiro fora do box. No máximo uma ou duas vezes por ano.
No resto da casa
- Mais um da série "por que eu não pensei nisso antes": dobre o pano de limpeza em 4 e vá alternando os lados. Assim você lava menos o pano e, claro, gasta menos água.
- Pisos de madeira não precisam de nada além de pano úmido. Ceras são tóxicas, tornam o piso escorregadio e propenso a acidentes, e se acumulam de tal maneira que se você passar um removedor de cera (outro produto tóxico), vai notar que o piso até muda de cor.
- Uma receitinha matadora para limpar superfícies (exceto as envernizadas e enceradas ou superfícies porosas que podem manchar): coloque álcool em um borrifador, e junte um pau de canela, alguns cravos e umas duas florzinhas de anis-estrelado. Depois de alguns dias o álcool vai ficar marrom e com um perfume delicioso. Eu uso sempre no fogão e na pia.
- Aquele seu cachorro que detesta tomar banho (as minhas odeiam) vão gostar desta ideia: banho a seco. Veja aqui.
- A Carol Costa, do excelente site Minhas Plantas, tem um vídeo aqui ensinando 3 maneiras de economizar água nas plantas.
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Miguel regando as plantas com o borrifador (Fotografia de Cecilia Santos, arquivo pessoal) |
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O fato é que nós aqui no Brasil temos mania de limpeza. E isso porque até recentemente havia mão-de-obra abundante e barata para dar brilho constante às nossas casas. Nem todas as famílias dividem de verdade o trabalho doméstico, e ele acaba nos ombros das mulheres: a moradora/mulher/mãe e/ou a diarista ou mensalista.
Acontece que as trabalhadoras domésticas estão ficando cada vez mais raras e caras. E felizmente haverá cada vez menos trabalhadores sem qualificação. (Fiquei tão feliz ao saber que a filha de uma senhora que foi diarista da minha mãe entrou na faculdade de medicina! não é lindo?) Nossa sociedade nunca será desenvolvida enquanto perdurar a exploração do trabalho doméstico, desvalorizado e com violação de direitos trabalhistas. Então, em vez de reclamar dos novos tempos, a gente precisa entender que se trata de uma mudança positiva para todos e que está mais do que na hora de prepararmos nossos filhos para viver em um mundo em que eles terão que ser mais autônomos.
E tem também a questão do meio ambiente. Mais do que nunca, temos que estar atentos à geração de lixo sólido e reciclar sempre e cada vez mais. A preservação dos mananciais depende da preservação da natureza, com menos consumo e menos poluição.
Mas a gente também tem que ficar alerta para os produtos que dizem ser "ecológicos" e "sustentáveis" e tal. Tem uma linha de produtos no mercado que, descobri, de "ecológica" só tem o fato de ser vendida em refis - mas os produtos quase nunca estão disponíveis nos supermercados nesse formato, só na embalagem convencional. Ou seja.
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"Vou ficar escondida aqui até eles desistirem de me dar banho!" - Pitanga (Fotografia de Cecilia Santos, arquivo pessoal) |
Minha visão pessoal: a gente aqui no Sudeste estava precisando de um choque de realidade. Espero que a crise resulte em novas posturas, do ambiente doméstico ao macroambiente. E a troca de informações e experiência é fundamental nesse processo.
Um ponto que eu acho essencial é envolver todas as pessoas da família e aquelas que prestam serviços, seja em casa ou no trabalho, ouvir cada uma delas e expressar as próprias expectativas. Talvez a sua empregada mensalista acredite que você espera que ela limpe a casa todos os dias, e enquanto isso você está reclamando que ela gasta muita água e produtos de limpeza, quando só o que falta é vocês terem uma conversa franca e ajustarem as expectativas, quem sabe até reduzir a jornada de trabalho dela. Tenho certeza que todo mundo sai ganhando!
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Para terminar este longo post, deixo algumas sugestões de leituras:Uma das melhores fontes de informação sobre a crise hídrica é o tumblr da Camilla Pavanelli, o Boletim da Falta D'água. Ela tem feito semana a semana um levantamento cuidadoso de dados de órgãos especializados, de estudos e da grande mídia. O resumo é muito informativo e ainda dá pra se aprofundar nos links fornecidos em cada boletim.
http://boletimdafaltadagua.tumblr.com/.
Tem também a Aliança Pela Água, uma coalizão de várias entidades da sociedade civil que lutam pela segurança hídrica em São Paulo.
http://aguasp.com.br/#quem-somos
Um outro post bacana sobre como economizar água em casa, da Lanika Rigues, no LuluzinhaCamp.
http://luluzinhacamp.com/dicas-praticas-para-economizar-agua/#.VOcbhvnF98E
Por fim, um autojabá. Publiquei este texto em 2013 tentando discutir a questão do trabalho doméstico do ponto de vista do meu grupo social, dos desafios de quem precisa contratar ajuda para poder trabalhar fora. Conversei com várias pessoas e acho que gerou insights bacanas.