Semana passada li "O Não Me Deixes" da Rachel de Queiroz. (3a. ed., Ed. José Olympio, 2010).
Nele a Rachel abre as portas da casa de fazenda no interior do Ceará pra mostrar os hábitos culinários e sociais.
Nas palavras dela: "Casa tão rústica, austera como um convento pobre, as paredes caiadas, os ladrilhos vermelhos, o soalho areado. As instalações rudimentares, a lenha a queimar no fogão, a água de beber a refrescar nos potes."
Mas, apesar da simplicidade e da falta de conforto, ela reconhece o apego ao lugar: "Por que tanto carinho e amor por estas terras ásperas? Não sei. Mistério é assim: está aí e ninguém sabe. Talvez a gente se sinta mais pura, mais nua, mais lavada. E depois a gente sonha."
E ao terminar de ler, a gente se sente meio deslocada nessa metrópole do consumo estéril: "Há um prazer áspero na permanente descoberta de quanto supérfluo a gente se sobrecarrega e de como é fácil a gente se despojar dele. É como tirar uma casca suja. Ou uma pele velha, seca, engelhada."
Enquanto descreve a paisagem e os hábitos, Rachel discorre sobre a culinária local, toda feita ali, com o fruto escasso da terra e das criações. Fiquei impressionada com a descrição de como se preparam o queijo coalho, a farinha de mandioca e a cajuína.
As receitas em si, reconheço, não são exatamente práticas pra gente aqui da cidade grande.
Tudo entremeado de histórias desse povo simples e cheio de princípios que é o nordestino. Fiquei encantada com o trecho em que Rachel descreve as festas alegradas pelos "tocadores":
"Nas suas melhores roupas e na maior educação, chegam-se [as moças e rapazes da redondeza] para cumprimentar os donos da casa e as visitas, e vão se abancando no parapeito do alpendre. Lá pelas tantas, depois de muitas conversas e cantorias, vêm pedir licença para dançar. A licença é dada, e os pares logo enchem o alpendre. Sem namoros, sem agarramentos, sem conversas, e a gente bem vê que é só o prazer da dança".
É um retrato bonito dessa gente tão incompreendida aqui no Sul.
Rachel de Queiroz (1910-2003) foi uma das grandes presenças feministas na literatura. Foi militante comunista e a primeira mulher eleita para a Academia Brasileira de Letras. Suas obras mais famosas são O Quinze, Memorial de Maria Moura e Dora, Doralina. Também traduziu grandes obras, inclusive várias de Dostoievski.
(Este post foi publicado originalmente no meu blog Lia de Lua em 15/11/10)
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